Abaixo, demonstrarei como uma simples comissão de revisão do Código Penal está se mobilizando para cassar um direito constitucional — violando uma cláusula pétrea da Carta, que não pode ser mudada nem mesmo por emenda — ao arrepio da população e do próprio Congresso Nacional. E tudo para aprovar o aborto. A síntese é esta: se o povo não faz o que eles querem, decidem, então, tirar o tal povo da jogada. Antes do caso, algumas indagações e considerações.
Por que os militantes em favor da legalização do aborto são tão determinados, tão fanáticos, tão sectários? Ainda que discorde de muitas causas, que as considere eventualmente estúpidas, compreendo, às vezes, o fervor de alguns. Tomo como exemplo os ecologistas, em especial os apocalípticos do desmoralizado aquecimento global. Não estando eles a serviço de alguma empresa alemã que forneça a tecnologia das tais energias alternativas, podemos considerar que seu propósito é meritório, ainda que suas teses sejam cretinas. Mas ser um fanático do aborto? Por que mistificar, trapacear, fraudar os números? Demonstrei ontem aqui, de maneira inequívoca, a mentira escandalosa que é a afirmação de que 200 mil mulheres morrem todo ano em razão de abortos de risco. Boa parte da grande imprensa vive repetindo essa farsa, inventada pela militância abortista, sem nem mesmo levar em consideração o total de óbitos no país. Uma simples consulta aos dados do IBGE exporia a falácia. Mas essa não seria uma prática… progressista!
Ainda que a legalização do aborto pudesse ser objeto de um plebiscito — não pode, já digo por quê! —, a esmagadora maioria dos brasileiros diria o que já diz em pesquisas de opinião: é contrária à mudança da legislação atual, que permite a interrupção da gravidez só em caso de estupro e risco de morte da mãe. Não demora, e o STF se pronunciará sobre o aborto de anencéfalos. Será certamente aprovado, o que pode, sim, abrir caminho para a interrupção da gravidez em outros casos muito menos graves de malformação do feto. Estaremos “abrindo uma vereda para a terra dos mortos”.
Os militantes pró-aborto são, como disse, determinados. E são também organizados. Vivem numa mobilização permanente para tentar ganhar a opinião pública, que sabem majoritariamente contrária à sua tese. Mas sabem também que um bom trabalho de militância, associados a movimentos sociais, ONGs, redes sócias e imprensa, pode fazer milagres. Vejam, num caso bem mais prosaico, essa bobagem que é a proibição dos saquinhos de supermercado. A natureza ganha pouco — já que haverá um aumento do consumo dos sacos de lixo —, os supermercados economizam, e os consumidores pagam o pato. Mas aplaudiram a medida. Afinal, foram convencidos de que estão ajudando a salvar a natureza…
É claro que o aborto é uma causa bem mais complicada. O importante, para a militância, é jamais descansar. Enquanto dona Eleonora Menicucci vai à ONU e endossa a mentira das 200 mil mortes anuais de mulheres em decorrência da interrupção da gravidez, partidários da causa atuam na frente doméstica para aplicar um passa-moleque na Constituição, tentando cassar um direito constitucional por intermédio de outros códigos legais. Leiam o que informa a Folha de hoje. Volto em seguida.
Proposta quer liberar aborto a mulher sem “condição psicológica”
Por Flávio Ferreira:
A comissão de reforma do Código Penal do Senado apresentou em audiência pública proposta que descriminaliza o aborto realizado até a 12ª semana de gravidez quando, a partir de um pedido da gestante, o “médico constatar que a mulher não apresenta condições psicológicas de arcar com a maternidade”. O texto também prevê que o aborto de anencéfalos não será considerado crime - a questão está sob julgamento do Supremo Tribunal Federal. Atualmente, o Código Penal só não considera crimes os abortos feitos para salvar a vida da gestante e quando a gravidez resulta de estupro.
O anteprojeto apresentando ontem ainda promove a descriminalização da eutanásia nos casos em que houver desligamento de aparelhos que mantenham a vida de um paciente com doença grave e irreversível atestada por dois médicos, com consentimento do paciente ou da família. Outra proposta também aumenta a pena atual para casos de homicídio causado por embriaguez ao volante. O texto cria a “culpa gravíssima”, com punição de quatro a seis anos, para os casos em que houver “excepcional temeridade” na conduta do causador da morte. Está em estudo também a inclusão de um capítulo para os crimes de trânsito.
Entidades e ativistas contra e a favor da descriminalização do aborto promoveram um debate acalorado na audiência de ontem, feita no Tribunal de Justiça paulista. Segundo o relator da comissão, o procurador regional da República em São Paulo Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, o texto do anteprojeto traz uma “posição intermediária” em relação à descriminalização do aborto. “É preciso enfatizar que a proposta não acaba com o crime de aborto, ele apenas amplia as situações em que não haverá pena”, afirmou. Segundo o relator, a previsão de atestado médico sobre as condições psicológicas da mulher foi incluída para proteger mulheres em situação de muita fragilidade. “O aborto é o pior método contraceptivo que existe, mas criminalizá-lo pode ser simplesmente uma grande injustiça para com a mulher”, disse.
Voltei
Fico aqui a pensar no que terá querido dizer Luiz Carlos dos Santos Gonçalves. O que significa “posição intermediária em relação à descriminalização do aborto”? Estamos diante de um óbvio esforço para fraudar a Constituição. A decisão sobre o aborto de anencéfalos só está no Supremo, ora vejam!, porque se trata de matéria Constitucional. Está lá no Artigo 5º:
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (…)”.
Esse é o texto que impede que se aprove a pena de morte no país mesmo para os piores facínoras. Como lembra o jurista Ives Gandra da Silva Martins, o parágrafo 2º desse mesmo Artigo 5º afirma que tratados internacionais sobre direitos individuais são incorporados à Carta e têm status de norma constitucional. O Brasil é signatário do Pacto de São José da Costa Rica, de direitos humanos. Está lá no Artigo 4º:
“Toda a pessoa tem direito a que se respeite sua vida. Este direito está protegido pela lei e, em geral, a partir do momento da concepção”.
Mas agora vem o mais importante: o Parágrafo 4º, inciso IV do Artigo 60 é claro:
“Não será objeto de deliberação proposta de emenda tendente a abolir (…) os direitos e garantias individuais”.
Assim, a legalização do aborto não pode ser aprovada por qualquer procedimento constitucional ou infraconstitucional porque isso significaria violar uma cláusula pétrea da Carta.
Agora o mérito
Desde quando um médico, a menos que seja psiquiatra, está habilitado a avaliar, com esse grau de profundidade e em caso de tamanha gravidade, as “condições psicológicas” de uma mulher? Permitir o aborto, nesse caso, corresponde simplesmente a legalizar a prática ao arrepio da Constituição e do próprio Congresso.
Depois da falácia com os números, já desmoralizada, estamos diante de um truque descarado para impor à maioria do povo brasileiro aquilo que é vontade de uma minoria. Derrotados no debate, incapazes, até agora, de ganhar a opinião pública, os abortistas querem aprovar o AI-5 do aborto, que torna letra morta a Carta Constitucional. “Ah, como esse Reinaldo exagera!” Exagero do cinismo é tentar dar um golpe na Constituição!
Por Reinaldo Azevedo
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